It’s not enough to just make plans, plans, and more plans; it’s necessary to rebuild biodiversity in cities.

In the first 14 weeks of 2024, Brazil has recorded 3.1 million probable dengue fever cases and 1,292 deaths. The country’s response has been characterized by government inaction, a limited understanding of the problem, and an unbridled pursuit of profits, creating a chaotic scenario.

JOSE LUCENA/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO
Awareness campaign to combat dengue in São Gonçalo, in the metropolitan region of Rio de Janeiro.

A recent World Economic Forum article titled ‘Every Decision is a Climate Decision’ highlights a series of concerning global abnormalities. Devastating floods, brutal heatwaves, prolonged droughts, and uncontrollable wildfires marked 2023, becoming increasingly frequent and intense, causing human losses, material damage, and devastating socio-economic impacts.

Biodiversity loss, a direct consequence of human interference, disrupts the environmental balance and generates various material impacts, threatening people’s lives and health. Protecting all living beings on the planet, particularly terrestrial biodiversity in urban areas, is an urgent global task requiring immediate action from governments, businesses, and individuals.

The National Health Council (NHC) recently presented alarming statistics: Brazil faces the worst dengue epidemic in years, with the potential to be deadly. Data from the Pan American Health Organization (PAHO) indicates that Brazil reached 3.1 million probable cases of dengue in the first 14 weeks of 2024, with 1,292 deaths confirmed and 1,875 under investigation.

A complex relationship exists between the destruction of urban biodiversity and climate change. Rising temperatures and extreme weather events like heavy rains create ideal conditions for mosquito reproduction. Uncontrolled urban sprawl with inadequate planning leads to deficiencies in basic sanitation infrastructure, creating breeding grounds for mosquitoes, such as areas with garbage accumulation and poor drainage.

Dealing with future outbreaks and epidemics requires more than public education campaigns and inspections aimed at eliminating mosquito breeding sites. While education is crucial to raise awareness about individual responsibility, rebuilding urban biodiversity is equally vital.

Municipal offices and departments are flooded with a flurry of plans focused on specific solutions, as if drafting them alone guarantees the desired results.

On one hand, these plans demonstrate public officials’ efforts to align with Agenda 2030 goals. However, a glaring gap exists between intention and action regarding urban decarbonization. The inertia of authorities, a limited understanding of the problem, and the relentless pursuit of immediate profits by some sectors create a chaotic scenario. The effectiveness of urban policies and actions gets lost amidst bureaucracy and a lack of commitment, hindering swift and effective responses to socio-environmental changes. Fragmented collaboration between agencies, riddled with conflicting interests and duplicated efforts, leads to delays, wasted resources, and unequal distribution of investments. An integrated and collaborative approach involving all stakeholders is urgently needed to ensure the preservation of urban biodiversity.

The Singapore Biodiversity Index (SI) emerges as a sophisticated tool. By covering 28 analysis categories, the SI can provide a comprehensive view of the state of biodiversity through measurement and monitoring. It also helps formulate effective urban plans and policies, serving as a solid foundation for strategic decisions and targeted actions. This is achieved through data collection, analysis, and utilization.

A critical question remains: How do we measure and monitor the effectiveness of government efforts to recover urban biodiversity and improve a city’s ability to resist, adapt to, and recover from environmental impacts caused by climate change?

From adapting to climate change and building urban resilience to managing natural resources and controlling invasive species, we need metrics and comprehensive data to provide a detailed overview of implemented strategies and policies aimed at improving environmental and climatic conditions. This ultimately protects the health and lives of citizens and contributes to a future with significantly fewer outbreaks and epidemics caused by insects.

By examining public participation, environmental education, and green infrastructure, the index seeks to promote collaboration between public, private, and civil society entities. This collaboration aims to ensure a more sustainable and resilient urban environment for future generations. In addition to the mentioned analysis categories, the urban biodiversity index also addresses topics such as natural habitat conservation, ecological corridor protection, urban agriculture promotion, water recharge area preservation, and mitigating the impacts of urbanization on native fauna and flora.

These additions further expand our understanding of and promote a holistic approach to dealing with the challenges of biodiversity in cities. This, in turn, encourages the implementation of more effective policies and practices for the protection of the urban environment.

Não adianta só fazer planos, planos e mais planos, é preciso reconstruir a biodiversidade nas cidades

Nas 14 primeiras semanas deste ano, Brasil atingiu 3,1 milhões de casos prováveis de dengue e 1.292 mortes; inércia das autoridades, visão limitada do problema e a busca desenfreada por lucros criam um cenário caótico

JOSE LUCENA/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDOFumacê para combate ao mosquito transmissor da dengue no entorno do Hospital Estadual Alberto Torres, em São GonçaloAção de conscientização para o combate à dengue em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro

Matéria recente publicada pelo Worl Economic Forum, intitulada Every Decision is a Climate Decision (Cada Decisão é uma Decisão Climática) destaca uma série de “anormalidades globais” que vem ocorrendo nos últimos anos em todo o planeta. Inundações devastadoras, ondas de calor brutais, secas prolongadas e incêndios florestais descontrolados marcaram o ano de 2023 e tornaram-se cada vez mais frequentes e intensos, causando perdas humanas, danos materiais e impactos socioeconômicos devastadores. Consequência direta da perda de biodiversidade provocada pela interferência humana, o desequilíbrio ambiental gera impactos materiais e riscos diversos à vida e saúde das pessoas. Proteger todas as espécies de seres vivos do planeta ou, ainda, a biodiversidade terrestre, especialmente em áreas urbanas, é uma tarefa urgente, de caráter global, e que requer ação imediata de governos, empresas e pessoas. O Conselho Nacional da Saúde (CNS) apresentou estatísticas, em publicação recente, informando que, em 2024, o Brasil enfrentará a pior epidemia de dengue dos últimos anos. E dengue pode matar.

Dados divulgados pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) apontam que o Brasil atingiu 3,1 milhões de casos prováveis de dengue nas 14 primeiras semanas deste ano e 1.292 mortes causadas pela transmissão do vírus, enquanto 1.875 estão sob investigação. Embora complexa, existe uma relação entre a destruição da biodiversidade urbana e as alterações climáticas. Com o aumento da temperatura e eventos climáticos extremos, como chuvas intensas, criam-se condições mais favoráveis para a reprodução dos mosquitos. O crescimento urbano desordenado, com ausência de planejamento adequado, resulta em precariedade na provisão de infraestrutura de saneamento básico, levando à formação de áreas propícias à proliferação, como locais com acúmulo de lixo e falta de drenagem adequada. Tratar futuros surtos e epidemias que ocorrem nas cidades demanda bem mais do que tentar eliminar o foco do mosquito transmissor por meio de campanhas de educação da população e fiscalização. Embora a educação seja crucial para conscientizar as pessoas sobre sua responsabilidade na redução da proliferação do mosquito, é igualmente vital reconsiderar a importância da reconstrução da biodiversidade nas cidades.

Planos, planos e mais planos voltados a soluções pontuais proliferam em guichês e secretarias municipais, como se a simples redação de seu texto tivesse o poder de garantir os resultados e benefícios planejados. Se por um lado sua existência apresenta um esforço dos agentes públicos para alinhar-se ao cumprimento das metas da Agenda 2030, por outro, a descarbonização urbana enfrenta um hiato gritante entre a intenção e a ação. A inércia das autoridades, a visão limitada do problema e a busca desenfreada por lucros imediatos por alguns setores criam um cenário caótico, onde a efetividade das políticas e ações urbanas se perdem em meio à burocracia e à falta de compromisso, dificultando respostas rápidas e eficazes às mudanças socioambientais. A falta de coordenação entre diferentes órgãos, com conflitos de interesse e duplicação de esforços, gera atrasos, desperdício de recursos e desigualdade na distribuição de investimentos. É urgente a adoção de uma abordagem integrada e colaborativa, envolvendo todas as partes interessadas, para garantir a preservação da biodiversidade urbana.

É neste contexto que o Índice de Biodiversidade de Cingapura (SI) surge como uma ferramenta complexa que, ao abranger 28 categorias de análise, pode, por meio da mensuração e monitoramento, não apenas fornecer uma visão abrangente do estado da biodiversidade, mas também, colaborar na formulação de planos e políticas urbanas eficazes, servindo como base sólida para decisões estratégicas e ações direcionadas por meio da coleta, análise e utilização de dados. Como medir e monitorar a eficácia do que vem sendo feito por governos para recuperar a biodiversidade urbana e melhorar a capacidade de uma cidade de resistir, se adaptar e se recuperar dos impactos ambientais provocados pelas mudanças climáticas? Desde a adaptação às mudanças climáticas até a resiliência urbana, passando pela gestão de recursos naturais e o controle de espécies invasoras, é necessário construir métricas e, principalmente, dados capazes de fornecer um panorama detalhado das estratégias e políticas implementadas para melhorar as condições ambientais e climáticas, com o objetivo de proteger a saúde e a vida dos cidadãos. Isso colaboraria para a construção de um futuro no qual surtos e epidemias de doenças geradas por insetos, por exemplo, sejam reduzidos significativamente.

Ao examinar questões como participação pública, educação ambiental e infraestrutura verde, o índice busca promover a colaboração entre entidades públicas, privadas e da sociedade civil, visando garantir um ambiente urbano mais sustentável e resiliente para as gerações futuras. Além das categorias de análise mencionadas anteriormente, o índice de biodiversidade urbana também aborda temas como a conservação de habitats naturais, a proteção de corredores ecológicos, a promoção da agricultura urbana, a preservação de áreas de recarga hídrica e a mitigação dos impactos da urbanização na fauna e flora nativas. Essas adições ampliam ainda mais a compreensão e a abordagem holística para lidar com os desafios da biodiversidade nas cidades, incentivando a implementação de políticas e práticas mais eficazes para a proteção do meio ambiente urbano. As cidades, apesar de ocuparem apenas 3% do território, concentram grande parte da população e do consumo, excedendo os limites do planeta. A reorganização do planejamento ambiental nas cidades com foco na recuperação da biodiversidade associado à adoção de métricas para a avaliação e monitoramento do impacto das estratégias adotadas por governos, sociedade e setor econômico, e sua eficácia frente às questões de resiliência urbana, são fundamentais para a garantia um futuro sustentável para todos.

Veículos de grande porte devem pagar uma taxa adicional para estacionar em áreas centrais da cidade?

Coluna publicada na Jovem Pan News em 10.04.2024

Fonte: Jovem Pan News

Recentemente, em Oxford, na Inglaterra, uma medida polêmica foi implementada, propondo ajustar as taxas de estacionamento rotativo nas áreas centrais da cidade de acordo com o tamanho do veículo, afetando especialmente os proprietários de SUVs (Sport Utility Vehicle) e outros veículos de grande porte.

Essa iniciativa segue o exemplo de Paris, onde a maioria dos eleitores apoiou o aumento dos preços de estacionamento para veículos maiores nas Zonas de Emissões Baixas. Além das questões financeiras, a justificativa se estende ao fato de que veículos maiores ocupam mais espaço, contribuem para o congestionamento urbano, têm maior potencial de causar danos e mortes em colisões, geram mais desgaste nas ruas, poluem mais o ar (quando não elétricos) e aumentam o ruído, afetando a qualidade de vida de todos os cidadãos. Em Londres, por sua vez, foi implementada em 2019 a Ultra-Low Emission Zone (Ulez), estabelecida pela Autoridade de Transporte de Londres (TfL) para melhorar a qualidade do ar, reduzindo as emissões de poluentes dos veículos que circulam na área designada. Esta medida segue os critérios das normas EURO da União Europeia, que definem limites de emissão de poluentes para veículos novos, com o objetivo de promover a produção de veículos com o uso de tecnologias mais limpas. Desde os anos 90, essas normas têm se tornado cada vez mais rigorosas, abordando diversos tipos de poluentes, como óxidos de nitrogênio, partículas, hidrocarbonetos e monóxido de carbono. A Euro VI, introduzida em 2013 para veículos pesados e 2014 para veículos leves, estabelece limites ainda mais baixos, estimulando tecnologias avançadas de controle de emissões. Essas medidas não apenas contribuem para a redução da poluição, mas também impulsionam a inovação em direção a uma mobilidade mais sustentável, protegendo a saúde pública em toda a Europa. O importante é que

Diversos exemplos inspiradores ao redor do mundo ilustram o compromisso global de gestores públicos, empresas e populações em promover cidades mais limpas e saudáveis, alinhadas com as metas da AGENDA 2030. Em Madrid (Espanha), uma Área de Emissões Baixas foi estabelecida em 2018, proibindo a entrada de veículos mais poluentes nas áreas centrais. Na Cidade do México (México), uma Zona de Restrição Veicular foi implementada em 1989, restringindo a circulação de veículos em dias específicos com base no número da placa. Em Milão (Itália), a adoção de uma Zona de Tráfego Limitado em 2008 limitou a entrada de veículos em áreas históricas durante certos horários. Em Oslo, Noruega, uma área de restrição de emissões foi introduzida em 2017, proibindo a entrada de veículos a diesel mais antigos em algumas áreas. Estocolmo (Suécia), optou por uma taxa de congestionamento em 2007, cobrando dos motoristas para entrar na área central da cidade durante os horários de pico. Enquanto isso, Pequim (China), enfrenta a poluição do ar com zonas de restrição de emissões e rodízio de veículos, com medidas mais rigorosas em períodos de alta poluição.

Limitar o número de vagas de estacionamento disponíveis para SUVs e demais veículos de grande porte em áreas públicas pode ser uma medida eficaz para priorizar espaços para veículos menores e modos de transporte mais sustentáveis, como bicicletas e transporte público reduzindo as emissões de CO2 associadas ao transporte, mas também promove uma distribuição mais equitativa do espaço urbano, beneficiando toda a comunidade.

Os impactos positivos dessas políticas na melhoria climática e na redução de CO2 nas áreas urbanas são significativos. Num primeiro momento, a redução do consumo de combustíveis fósseis decorrente da menor circulação de SUVs nas ruas leva a uma diminuição das emissões de gases de efeito estufa, contribuindo para conter as mudanças climáticas. Além disso, menos veículos de grande porte nas vias resultam em menos congestionamento, o que reduz o tempo que os carros ficam parados e emitindo poluentes. A transformação de vagas de estacionamento em áreas verdes e permeáveis como vem ocorrendo nos últimos 10 anos em Buenos Aires (Argentina), contribui não apenas para captar as águas pluviais, sombrear as calçadas, prover novos locais para descanso, reduzir a sensação térmica pela requalificação de áreas públicas, mas também para promover a biodiversidade urbana e alcançar as metas para descarbonização urbana ou, ainda, colaborar no processo de redução das emissões de carbono nas áreas urbanas, visando mitigar as mudanças climáticas.

Para que a proposta de taxação diferenciada de estacionamento e circulação de veículos grandes, como SUVs, obtenha sucesso, é essencial abordar a possível oposição da indústria automobilística. Diálogo e medidas para mitigar impactos na cadeia produtiva são cruciais, incluindo incentivos à produção de veículos mais eficientes, programas de reciclagem e criação de novas oportunidades de emprego como estratégias viáveis.

As iniciativas ao redor do mundo refletem um esforço global para criar cidades mais limpas e saudáveis para todos. A implementação de políticas que priorizam o espaço urbano de forma equitativa, como a taxação diferenciada de estacionamento para veículos grandes, como SUVs, e a intensificação da fiscalização visando o cumprimento das normas ambientais, são passos importantes nessa direção. Essas medidas não apenas contribuem para a redução das emissões de CO2, melhoria da qualidade do ar e colaboram no combate às mudanças climáticas, mas, também, geram receita para investimentos em infraestrutura urbana e transporte sustentável, promovendo uma distribuição mais justa do espaço urbano e beneficiando, portanto, toda a população.

O que faz você sentir que pertence a uma cidade?

A coluna destaca a importância do sentimento de pertencimento urbano para a inclusão e representatividade de todos os grupos sociais na construção das cidades. O texto apresenta a experiência do Urban Belonging Project, destacando a sua abordagem inovadora e inclusiva para compreender as experiências das pessoas na cidade e colaborar na produção de políticas urbanas orientadas para todos os cidadãos.

Projeto dinamarquês com o envolvimento de diversos grupos marginalizados da sociedade revelou as diferentes formas como as pessoas vivenciam o lugar em que moram

Coluna originalmente publicada em Jovem Pan > Opinião Jovem Pan > Comentaristas > Helena Degreas 

Urban Belonging Collective/DivulgaçãoRetratos dos participantes do projeto Urban BelongingRetratos dos participantes do projeto Urban Belonging

É possível sentir-se conectado emocional, cultural e socialmente com o ambiente urbano e a comunidade ao seu redor? A noção de pertencimento vai além da mera presença física em um determinado local. Envolve o compartilhamento de interesses comuns, valores e laços sociais que, pela interação regular, constante, forma um conjunto coeso e interdependente. Para alguns, pertencer a uma cidade pode significar ter raízes profundas na comunidade, com várias gerações de familiares que viveram e contribuíram para o desenvolvimento do local. Para outros, pode ser a sensação de ser aceito e valorizado por seus pares, encontrar apoio em grupos sociais ou culturais específicos dentro da cidade. 

Mas como se sentem indivíduos e grupos cujas oportunidades de engajamento cívico e participação em atividades comunitárias são limitadas? A exclusão e marginalização de minorias se manifestam na negação de acesso a serviços e recursos essenciais, bem como na falta de representatividade em decisões que moldam suas cidades gerando um sentimento de desvinculação e impotência, minando a confiança na capacidade de contribuir para a vida urbana. A falta de representatividade e respeito também alimenta a frustração, evidenciando a necessidade de promover uma participação mais inclusiva e empoderada na esfera pública.

Segundo o geógrafo Milton Santos, a cidade transcende suas dimensões físicas ao se tornar a expressão tangível das interações sociais, configurando o que ele denominou de “quinta dimensão do espaço”. Essa dimensão vai além da simples geografia urbana, abraçando as experiências cotidianas das pessoas, suas interações sociais e culturais, bem como os significados simbólicos atribuídos aos diferentes lugares e objetos dentro do ambiente urbano. Nesse contexto, a cidade se revela como um espaço social, vivo, moldado pela complexa teia de relações humanas que a permeiam. Cidade é sociedade, relações e interações entre pessoas.

Recentemente, tive contato com o Urban Belonging Project, iniciativa lançada em 2021 com o objetivo de compreender o que faz as pessoas se sentirem parte de uma cidade, em Copenhague, na Dinamarca. Financiado pelo Doing Data Together e pelo Innovation Fund Denmark, o projeto adotou uma abordagem inovadora e inclusiva, desafiando o paradigma tradicional do planejamento urbano liderado por técnicos e agentes públicos. Ao invés disso, direcionou sua atenção para os cidadãos comuns, dando voz às suas experiências muitas vezes negligenciadas. A sensação de pertencimento é essencial para a coesão social. Quando as minorias são excluídas, seja por discriminação, preconceito ou falta de representatividade, isso não apenas mina seu senso de pertencimento, mas também enfraquece o tecido social da comunidade. É fundamental reconhecer e valorizar a diversidade para criar um ambiente onde todos se sintam incluídos e aceitos, promovendo um sentimento de pertencimento genuíno e fortalecendo os laços comunitários.

O projeto envolveu diversos grupos da sociedade, como pessoas LGBTQIAP+, sem-tetos, minorias étnicas, com deficiências físicas e vulnerabilidade mental, migrantes e refugiados, que frequentemente são marginalizados e excluídos em diferentes aspectos da vida social, econômica, política e cultural. Por meio de um aplicativo de fotografia e Sistema de Informação Geográfica participativo (SIG), esses grupos registraram, durante dez dias, os lugares que influenciam sua sensação de pertencimento na cidade. Com base nessa ampla coleta de dados, foram realizados workshops, culminando em uma exposição pública de fotos, mapas e visualizações em 2022. Os resultados foram integrados em um Datascape, oferecendo uma representação visual dos insights obtidos. Vale a visita no site. Os resultados surpreendem.

A investigação central do projeto — o que faz você sentir que pertence a uma cidade? — orienta a obtenção de informações, que é realizada por meio de narrativas, fotografias e mapas elaborados pelos próprios envolvidos. Essa mudança de perspectiva coloca a experiência individual no centro do processo de planejamento urbano, reconhecendo a riqueza da diversidade e as nuances presentes na vida das pessoas, promovendo um sentimento de pertencimento e empoderamento. As histórias e experiências compartilhadas pelos participantes revelaram as diferentes formas como as pessoas vivenciam a cidade. Espaços físicos podem ser imbuídos de significado emocional, proporcionando sentimentos de pertencimento ou alienação. Ao destacar as experiências positivas e negativas, o projeto desafiou noções convencionais de planejamento e projeto do espaço urbano, abrindo caminho para uma reflexão mais profunda sobre inclusão, acessibilidade, justiça espacial e pertencimento.

É possível afirmar que o “Urban Belonging Project” vai além da mera documentação das experiências da comunidade. Ao capacitar os participantes a interpretar seus dados e compartilhar suas narrativas, colocou o poder analítico nas mãos daqueles que muitas vezes são silenciados, excluídos do processo decisório. Essa transformação de dados em ferramentas para a mudança empodera comunidades e permite a criação de políticas públicas mais justas, inclusivas e sustentáveis, que consideram a dimensão política cidadã, as necessidades específicas de diferentes grupos sociais e o sentimento de pertencimento. O projeto se propõe a transformar insights em princípios de design urbano e cenários futuros que podem ser utilizados pelos profissionais urbanistas para a busca de uma cidade socialmente sustentável. 

A cidade, como nos é apresentada pelo projeto, é um mosaico de experiências, perspectivas, identidades e lugares de pertencimento. Essa visão desafia nossa compreensão convencional de espaços públicos e nos convida a repensar a forma como concebemos e habitamos nossas comunidades. O foco na participação política, na construção de uma cidadania ativa e no sentimento de pertencimento é essencial para a criação de cidades verdadeiramente sustentáveis, acolhedoras e vibrantes para todos. Ao integrar a abordagem participativa e inclusiva do “Urban Belonging Project” ao planejamento urbano, podemos construir cidades que reconheçam e valorizem a diversidade, promovam a inclusão e o pertencimento. Essa mudança de paradigma pode levar à construção de lugares em que cada indivíduo se sinta seguro, acolhido, livre para exercer seus direitos e potencialidades, com voz ativa na esfera pública e um forte sentimento de pertencimento à comunidade.

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Até turistas são afetados quando espaços públicos de uma cidade perdem sua autenticidade

Dia desses, observei a decepção de dois casais de fora ao não encontrarem a confeitaria que tanto amavam; episódio ilustra como a homogeneização da paisagem impacta não apenas os moradores

Por Helena Degreas 09/03/2024 08h00 – coluna originalmente publicada para a JovemPanNews

Turistas de Porto Alegre posam para foto em frente à Catedral da Sé, no centro de São Paulo – VALÉRIA GONÇALVEZ/ESTADÃO CONTEÚDO

Saio pouco de casa. No passado, nem tão distante, costumava ter quatro ou cinco compromissos ao longo do dia, em decorrência de uma rotina que me impus, seja pelos diversos empregos, seja pelas atividades triviais e cotidianas relacionadas à vida. Para me deslocar, usava o carro, privilégio de poucos, confesso. Ao longo dos anos, por prescrição médica, virei andarilha. Perfeita flâneur, desenterrei meu lado bisbilhoteiro e descobri-me enxerida nata. Ouvir a conversa dos outros é, para mim, abrir a caixa de Pandora: eu não consigo imaginar a surpresa que me aguarda nas conversas entre desconhecidos.

Dia desses, vejo dois casais parados em frente a uma longa fileira de tapumes. “Não tem nada aí para olhar”, pensei, “o que estarão fazendo?”. Cheguei mais perto. “Mor… cadê aquela confeitaria gostosinha? Não é aqui?”. “Ué” diz o moço, “não entendi. Acho que a gente errou o lugar”. O outro casal: “Não… tenho certeza, é aqui sim… é do lado daquela loja fechada que a gente comprou uns artesanatos, lembra? Parece que andaram cortando as árvores grandes também”. Suspirando, a outra moça reclama: “Não é mais o lugar que a gente vinha pra conversar. Vão construir prédio”.

“Claramente turistas”, pensei. Os dois casais se afastaram em busca de algum lugar que lhes proporcionasse a mesma sensação boa da tal confeitaria. Identidade do lugar e memória afetiva seriam as expressões que, numa sala de aula, utilizaria para explicar a situação de conforto, felicidade e prazer vivenciado em bons momentos e lembranças que acontecem em espaços públicos, na rua, na praça, no parque, na praia. As duas confeitarias destacavam-se pelo doces artesanais. Nada excepcional. Eu mesma parava, vez e outra por ali, para tomar um simples capuccino, que nem era tão bom assim, por um par de horas, simplesmente para ver pessoas, ouvir conversas alheias e colocar meus pensamentos em ordem. Respirar, enfim. O fato é que não eram franquias que vendem tudo igual em qualquer lugar e, também, não exibiam nenhum ranqueamento 5 estrelas nas paredes. O “chef”, basicamente, era o proprietário do estabelecimento que pensava assar bons bolos, doces e biscoitos. Por décadas, fez isso e vendeu muito com suas receitas. Deixou muita gente feliz. Eu era uma delas. Os dois casais também.

Concordo com as palavras da pesquisadora. Quando os espaços públicos perdem sua autenticidade, aquilo que os torna únicos, tornando-se genéricos e estandardizados, a atração para turistas em busca de vivências únicas é comprometida. Isso resulta em uma diminuição do potencial turístico dessas áreas, afetando negativamente toda a economia local que depende desse fluxo de visitantes em busca de autenticidade cultural. Não sei o nome das pessoas com as quais compartilho as experiências cotidianas durante minhas andanças por aí, mas conheço-os, entendo seus hábitos, reconheço suas roupas e, em alguns casos, compartilho rotinas e lugares onde faço compras, ajusto roupas, conserto sapatos, faço mercado, tomo sorvete, compro pão ou desembraço os pensamentos enquanto tomo um café. Agora não mais. Turistas e eu, moradora, estamos sofrendo a perda sistemática de nossas memórias afetivas vinculadas ao lugar em que estamos quer como moradores, quer como visitantes que desejam conosco compartilhar hábitos e costumes locais. Peculiaridades essas que enriquecem tanto a vivência quanto a experiência urbana.

Políticas públicas de alcance global e generalista, desvinculadas da realidade local, resultam frequentemente em ações locais desastrosas. Isso conduz a perdas irreversíveis de espaços tradicionais, descaracterizando trechos da cidade e bairros inteiros, prejudicando não apenas o que é visível, mas também o tecido social e sua cultura material e imaterial, elementos que definem cada comunidade. 

E, para definir uma comunidade, a colaboração, como mencionei na coluna passada, depende da atuação no processo de envolvimento para a criação e produção dos diversos stakeholders ou, ainda, associações de bairro, coletivos, comerciantes, organizações não governamentais junto com governos e empresas para criar políticas que identifiquem as qualidades locais e que podem contribuir para o desenvolvimento econômico. Trata-se de um processo trabalhoso que envolve a atuação constante, sistemática e permanente dos agentes públicos que ocorre por meio da realização de consultas públicas, workshops e reuniões de trabalho contínuas que só terminam com um consenso de todos os envolvidos. Estas ações são indispensáveis para definir de ações e estratégias que irão aprimorar a qualidade da vida dos que residem e, a partir daí, destacar as peculiaridades que fazem daquele lugar, daquela esquina ou daquela rua, únicos. Apenas desta forma a mitigação de problemas resultantes do processo e transformação podem ser acordadas por todos.

A recente experiência de um casal de turistas, buscando em vão uma confeitaria querida, ilustra como a homogeneização da paisagem e a descaracterização de espaços públicos que conferem vida à cidade afetam não apenas os moradores, mas também os visitantes em busca de autenticidade. A colaboração entre diversos stakeholders, incluindo moradores, comerciantes, organizações não governamentais e governos, torna-se essencial para criar políticas que valorizem as qualidades locais e contribuam para o desenvolvimento econômico, social e ambiental. Portanto, preservar a identidade local não é apenas uma questão meramente estética, mas um investimento na riqueza cultural e no bem-estar das comunidades, garantindo um futuro mais autêntico e sustentável para as cidades.

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Só com a participação comunitária é possível construir cidades mais justas, resilientes e prósperas

Presença pouco representativa da população é um fator, muitas vezes, causado pela falta de conhecimento de que se pode fazer a diferença

  • Por Helena Degreas
  • 27/02/2024 09h00
  • coluna publicada no site da Jovem Pan News

Divulgação/Neighborhood 360°Organização comunitária em Nova YorkPrograma Neighborhood 360° visa revitalizar áreas urbanas de Nova York por meio da colaboração com a comunidade

Os instrumentos de gestão democrática da cidade, regulamentados pelo Estatuto da Cidade (Brasil, 2001), buscaram ampliar a participação cidadã, aproximando o poder público da população na construção urbana. Contudo, essa efetiva participação exigiu a combinação de democracia representativa e direta, modelo brasileiro que apoia a participação pública, incluindo no planejamento urbano. Mesmo com o Estatuto da Cidade e os planos diretores, muitos documentos foram elaborados alheios à realidade, tecnocráticos e, em alguns casos, autoritários, menosprezando ou suprimindo a participação popular, suas vontades e desejos, portanto. Esses planos, em muitos casos, continuam sendo peças de ficção distantes da realidade urbana, vez que a complexidade dos materiais entregues à população para avaliação apresenta-se numa linguagem técnica, de difícil compreensão para aqueles que não compartilham a linguagem e os conhecimentos de burocratas públicos. Além disso, a presença pouco representativa da população é um fator, muitas vezes, causado pela falta de instrumentos e conhecimentos para participação nas discussões ou pela descrença de que sua participação possa desencadear mudanças. Limitações de recursos financeiros e de tempo também contribuem para esse cenário, conforme destacado por vários autores que pesquisam o tema em experiências pós-Estatuto da Cidade no Brasil.

A democracia participativa no urbanismo exige também o alinhamento com a vida cotidiana da gente para promover cidades justas, inclusivas, sustentáveis e democráticas, buscando eliminar as vergonhosas desigualdades no acesso aos direitos fundamentais previstos na Constituição e no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). Audiências, plataformas digitais, fóruns de discussões, conselhos gestores, dentre outras ferramentas aplicadas pelo poder público municipal, objetivando alcançar uma cidadania plena, não têm sido suficiente para a percepção da eficácia no atendimento das demandas da população que vê suas necessidades não atendidas quer por secretarias de governo, quer por departamentos internos, técnicos ou guichês, por exemplo. Como membro de conselhos participativos municipais, coletivos e organizações não governamentais, venho observando a necessidade de reorganização das instituições públicas municipais para os diferentes níveis de envolvimento das pessoas.

Desde o direito à informação pública e atualizada de dados referentes à gestão, existência de protocolos e até a promoção da contratualização de soluções (processo de formalização e estabelecimento de acordos ou contratos entre diferentes partes interessadas, como a comunidade local, organizações não governamentais, setor privado e o governo), o processo de participação incorpora acordos que visam implementar e executar soluções específicas identificadas durante o processo participativo. Espécie de degraus de uma longa escada a subir, essas etapas são necessárias para que projetos e ações de âmbito local se legitimem publicamente por meio da codecisão (decisão compartilhada) entre os diversos atores urbanos envolvidos, incluindo, na compactuação, a definição de responsabilidades, prazos, orçamentos e outras condições para a implementação das propostas.

Cidades como Bogotá (Colômbia), Santander (Espanha), Estocolmo (Suécia) e Nova York (EUA) incluíram em suas políticas urbanas ações práticas de participação da população objetivando a cocriação, coprodução e placemaking em trechos urbanos específicos solicitados pelos cidadãos, visando a atualização espacial, retrofit, revitalização econômica de quadras e ruas. A estrutura institucional pública foi adaptada para que os diversos grupos sociais fossem incorporados nos processos de construção das cidades.

Para viabilizar a interação e integração, os governos criaram agentes institucionais para intermediar a coprodução em áreas urbanas, por meio da coordenação entre stakeholders urbanos (qualquer entidade ou grupo, como residentes, organizações, governos e empresas, que têm interesse ou são afetados pelas decisões e desenvolvimentos em contextos urbanos). Na lista de instituições criadas, encontram-se novos Departamentos de Planejamento Urbano para formular políticas, coordenar projetos e estratégias de coprodução de âmbito local; Agências de Desenvolvimento Urbano, responsáveis pela liderança em projetos de revitalização; Escritórios de Participação Cidadã para facilitar o envolvimento ativo da comunidade; e Comissões de Desenvolvimento Comunitário para representar os interesses das pessoas. Além disso, Agências de Habitação e Desenvolvimento Social concentram-se em habitação e desenvolvimento social; Escritórios de Parcerias Público-Privadas facilitam as colaborações entre os diversos setores envolvidos nos projetos; Agências de Sustentabilidade Urbana avaliam e têm por missão integrar, como tema transversal, a sustentabilidade dos projetos propostos. Há também Agências de Promoção do Turismo Urbano, que destacam a identidade local, promovendo o patrimônio histórico, ambiental e arquitetônico em parceria com a comunidade.

Existem diversos exemplos de programas e ações colaborativas entre entes federativos e cidadãos. Embora muitos gestores públicos brasileiros ainda os considerem novidade — e a maioria da população os veja como inovadores —, a aplicação dos três conceitos na produção do espaço urbano, ocorrem há décadas e resultam em melhorias significativas na qualidade de vida.  Em 2017, a cidade de Nova York incluiu em suas políticas urbanas o programa Neighborhood 360°, visando revitalizar áreas urbanas por meio da colaboração (trabalho conjunto, portanto) com a comunidade, onde fellows (profissionais qualificados selecionados por meio de concurso público são contratados por dez meses para atuar como intermediários entre a população e o poder público e pagos pelo NYC Department of Small Business Servic – SBS) desempenham um papel crucial, viabilizando acordos e desembaraçando, por assim dizer, entraves eventualmente criados pela burocracia. Eles participam ativamente da elaboração de planos estratégicos, incentivam a formação ou revitalização de associações de comerciantes e lideram a transformação de espaços públicos, tornando-os atrativos e alinhados com as características únicas da comunidade.

Paralelamente, organizações sociais cadastradas junto ao poder público e localizadas na região de intervenção (community-based organizations – CBO) têm um papel vital no desenvolvimento social, econômico e ambiental, mobilizando a comunidade para participar ativamente do placemaking ou, ainda, o processo participativo de transformar espaços urbanos, envolvendo a comunidade na criação de ambientes vibrantes, acolhedores e significativos que atendam às suas necessidades e aspirações — “mão na massa” que leva a ações tangíveis. Essas organizações capacitam os membros da comunidade para uma participação efetiva em projetos de placemaking, promovendo uma abordagem inclusiva e colaborativa para o desenvolvimento urbano. Os recursos financeiros para o programa Neighborhood 360° provêm de fontes diversas, como orçamentos municipais, fundações privadas e parcerias público-privadas, incluindo investimentos diretos das autoridades públicas locais, patrocínios empresariais, subsídios filantrópicos ou combinações variadas dessas fontes.

A implementação da cocriação, coprodução e placemaking exige reorganização das instituições públicascriação de novos agentes institucionais e mobilização da comunidade. Diversos programas e ações colaborativas já demonstram a efetividade dessas ferramentas na revitalização de áreas urbanas e na melhoria da qualidade de vida. Se a cidade é feita por pessoas e para pessoas, a melhoria dos canais de comunicação e interação entre o poder público para a solução dos problemas de âmbito local não passa apenas pelo planejamento em escala urbana e a regulamentação genérica distante da realidade das pessoas. Ouvi-las é obrigação dos entes federativos, criando os instrumentos necessários para que a participação se dê de maneira eficaz na solução de questões locais. Só com a participação comunitária, daqueles que não apenas habitam os mesmo locais geográficos, mas também têm interesses comuns na melhoria das ruas, das praças e tantos outros assuntos, será possível construir cidades mais justas, resilientes, sustentáveis e prósperas para todos.

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Calçada tem de ser vista como parte importante da vida urbana, e não como lugar de passagem rápida de pessoas

Cidades civilizadas são construídas, literalmente, a cada passo, e é na infraestrutura de mobilidade a pé que se mede o respeito dedicado à população pelas prefeituras

Por Helena Degreas 10/02/2024 08h00 – Atualizado em 10/02/2024 12h39

Gestão eficiente e reorganização de prioridades podem transformar muitos lugares inadequados em excelentes espaços públicos – Fonte: freepik

Lembrei-me do jornalista Gilberto Dimenstein e do seu hábito saudável de, literalmente “andar por aí” e descobrir coisas e detalhes que só o passo lento, o olhar livre de intenções e o prazer estético são capazes de proporcionar. Tento, em vão, manter o hábito das longas caminhadas, mas “tá difícil”, Gilberto. É sério. O descaso para com o andar das pessoas é histórico e remonta o tipo de colonização de nossas terras. Está entranhado na gestão da coisa pública. Uma visita às cidades colonizadas pelos espanhóis mostra padrões rigorosos na forma urbana impactando diretamente na qualidade da paisagem vivenciada e nas calçadas. As ruas organizadas em um padrão de grade ao redor de uma “plaza” central revelam uma estrutura planejada, onde a igreja e o governo ocupavam lugares proeminentes. Essa disposição não apenas determinava a paisagem urbana, mas também exercia influência direta na construção das calçadas públicas. Ruas largas e alinhadas continuam a oferecer espaços generosos para a circulação de pedestres, enquanto a “plaza” central, frequentemente dominada por uma igreja de estilo barroco, transformava as calçadas em locais centrais para atividades sociais e religiosas.

Separados por um oceano de distância entre os continentes, a autoridade portuguesa presenciou o surgimento de povoamentos espontaneamente originados de expansões territoriais decorrentes de atividades econômicas, como bandeiras e mineração, religiosas, militares e indígenas. As ruas, frequentemente sinuosas, e, por extensão, as calçadas, ainda hoje, se adaptaram às características dos terrenos acidentados, seguindo as inclinações e larguras possíveis impostas pela topografia natural.

Poucos são os projetos urbanos de bairros e cidades executados por prefeituras e demais entes federativos. O que vivenciamos hoje é resultado de uma abordagem mais abstrata e centralizada proveniente de um planejamento urbano por meio do uso de taxas, coeficientes, indicadores e regulações que permitem ao proprietário de lotes e glebas praticamente definir a forma final do lugar por onde andam as pessoas. Para os bairros periféricos, mais distantes das áreas centrais, a abordagem da forma urbana final é ainda mais complexa pois a ausência de regulamentações urbanas e políticas públicas de habitação secularmente frouxas no atendimento das populações, levou e ainda leva, à autoprodução de bairros em áreas urbanas que ainda hoje resultam em vielas e becos prejudiciais aos cidadãos além de caminhos de acesso informais, rotas improvisadas que conectam diferentes partes do assentamento, frequentemente sem planejamento formal, enquanto vielas e becos formam estreitas passagens entre edificações, ocasionalmente constituindo redes complexas de caminhos sinuosos.

Embora a demanda por moradia cresça exponencialmente, os projetos urbanos de bairros e cidades implementados por prefeituras e outros entes federativos desde o século XX são insuficientes. A abordagem predominante, baseada em taxas, coeficientes e indicadores numéricos, prioriza o planejamento abstrato e centralizado, relegando a segundo plano as necessidades das pessoas que vivem e circulam nas cidades. Essa lógica coloca nas mãos dos proprietários de terrenos a responsabilidade final pela forma do lugar, sem considerar o impacto social e ambiental das decisões tomadas.

A situação nos bairros periféricos apresenta uma complexidade ainda maior. A histórica negligência do Estado na regulamentação urbana e na implementação de políticas públicas de habitação levou à autoconstrução de grande parte desses assentamentos. Isso se reflete em vielas e becos estreitos, muitas vezes sem planejamento formal, dificultando o acesso e a circulação dos moradores e configurando redes complexas de caminhos sinuosos. Frequentemente, essas áreas carecem de infraestrutura básica adequada, como pavimentação, iluminação e saneamento. A inexistência e a difícil implantação das calçadas é apenas um reflexo dessa realidade desafiadora.

No projeto #UmaRuaCadaDia, o Portal Mobilize especializado no conteúdo exclusivo sobre Mobilidade Urbana Sustentável vem publicando desde o primeiro dia do ano várias imagens que retratam as diferentes realidades das ruas e calçadas do território brasileiro. Rondon (PR), Hortolândia (SP), Caucaia (CE), Rio Formoso (PE) apresentam ruas com calçadinhas de pedra, ruas de terra, com mesinhas sobre o asfalto, estreitas e com carros estacionados sobre as calçadas, um mosaico das distintas realidades brasileiras dos locais por onde caminham os brasileiros. Questões de design/projeto frequentemente não são insolúveis; uma ênfase equivocada no tráfego automotivo ou medidas de segurança excessivamente rigorosas pode ser a linha que separa o fracasso do sucesso. A gestão eficiente e uma reorganização de prioridades podem transformar muitos lugares inadequados em excelentes espaços públicos.

A infraestrutura de mobilidade a pé, englobando calçadas, pistas e travessias, é importante para a eficiência da mobilidade urbana, seguindo diretrizes dos planos de mobilidade de implantação obrigatória nas cidades brasileiras. Infraestrutura de mobilidade a pé abrange espaços viários como calçadas, pistas, canteiros centrais e travessias, incluindo elementos como calçadões, faixas elevadas, passarelas, sinalizações específicas e mobiliário urbano. A rede de mobilidade a pé opera em conexão, seguindo uma hierarquia viária para integrar elementos e fluxos de pedestres, sendo essencial para planejar e operar a mobilidade a pé de maneira eficiente. Não é um lugar de passagem rápida de pessoas. É parte importante da vida urbana.

As calçadas, em particular, são medidas da civilidade de um lugar público, sendo elementos fundamentais para consolidar laços sociais e promover qualidade de vida urbana. O espaço público transcende definições jurídicas e normas urbanísticas. Primordialmente, é um resultado do uso social, influenciado pelas variadas formas como as pessoas o ocupam e dele se apropriam. A qualidade desse espaço encontra-se na construção social e política, levando em conta os modos de utilização, os significados atribuídos, a acessibilidade e as dinâmicas sociais que o envolvem. Desta forma, as calçadas como integrantes do espaço público, emergem como uma métrica da civilidade e qualidade urbana. Ao repensarmos nossos espaços públicos, considerando usos, acessibilidade e dinâmicas sociais, podemos transformar não apenas as calçadas, mas toda a experiência urbana. Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou no Instagram: @helenadegreas

Espaços verdes urbanos para crianças têm poder transformador no desenvolvimento infantil

Espaços verdes urbanos para crianças têm poder transformador no desenvolvimento infantilInvestir na expansão e densificação de áreas verdes nas cidades é promover o crescimento saudável, garantindo o desenvolvimento pleno das próximas gerações

Jovem Pan > Opinião Jovem Pan > Comentaristas > Helena Degreas > 

  • Por Helena Degreas
  • 04/02/2024 08h00
  • coluna originalmente publicada para a Jovem Pan News

Standret/Freepik

Espaço verde urbano para crianças fortalece o desenvolvimento, incluindo equilíbrio motor, redução do estresse, melhor desempenho acadêmico e até mesmo menor incidência de problemas de saúde mental e física

Desde os primeiros dias de vida até a adolescência, as crianças podem colher inúmeros benefícios dos espaços verdes urbanos. O relatório “A Necessidade de Espaços Verdes Urbanos para o Desenvolvimento Ideal das Crianças” (título original The Necessity of Urban Green Space for Children’s Optimal Development: a discussion paper), publicado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), destaca os inúmeros benefícios dos espaços verdes na saúde e desenvolvimento infantil, assim como ações para melhorar o acesso a esses locais. Dentre as intervenções recomendadas, o texto defende a mobilização de grupos comunitários para reivindicar e zelar pelos seus espaços verdes locais, buscando o apoio do governo para a criação e aprimoramento de áreas verdes nas ruas, nos bairros e em ambientes escolares.

A definição do termo “espaço verde” ainda não é universal e, até o momento, não existem critérios mínimos internacionalmente aceitos para tais áreas em ambientes urbanos. Em sua essência, um espaço verde refere-se a uma porção de terra vegetada, abrangendo desde parques públicos e privados, a gramados, jardins residenciais e condominiais, calçadas, sistemas viários, playgrounds, terras agrícolas, terrenos abandonados, árvores ao longo de ruas, áreas adjacentes a estradas e coberturas verdes. Citei apenas alguns exemplos. Não cheguei a propor os espaços de água que incluem lagos, represas e orlas diversas. Fica para uma próxima coluna.

Embora observar um espaço verde pela janela seja benéfico para o desenvolvimento infantil, os benefícios aumentam significativamente quando as crianças dedicam algum tempo do seu dia para explorar, brincar, criar, relaxar e refletir dentro de um ambiente verde seguro. A configuração específica de um novo espaço verde (ou já existente) dependerá do contexto local, levando em consideração fatores como restrições de espaço, condições climáticas, influências culturais, preferências da comunidade e disponibilidade orçamentária. Isso pode variar desde a incorporação de uma simples árvore na rua até a criação de extensos parques públicos. É crucial que as crianças e a comunidade local participem ativamente e tenham suas vozes ouvidas em todo o processo de design. Estratégias para envolver as crianças incluem a utilização de modelos, desenhos coletivos e grupos focais, entre outras abordagens.

Estudos em várias partes do mundo (226 papers publicados em periódicos científicos foram utilizados como referência na redação do relatório da Unicef) destacam a correlação entre o acesso a áreas verdes e o desenvolvimento das crianças incluindo equilíbrio motor, redução do estresse, melhor desempenho acadêmico e até mesmo menor incidência de problemas de saúde mental e física. A importância da integração efetiva dos espaços verdes em ambientes urbanos densos é inquestionável e vem sendo posta em prática em diversas prefeituras.
Exemplos globais inspiradores, como o modelo de Singapura, Londres (Inglaterra), Buenos Aires (Plano BA Cidade Verde), além de Bogotá (Colômbia), mostram como é possível integrar efetivamente espaços verdes em ambientes urbanos densos. Parques, jardins em sistemas viário, redução do número de áreas de estacionamento rotativo substituídos por corredores arborizados e até mesmo telhados verdes tornaram-se partes essenciais da paisagem urbana, proporcionando oportunidades valiosas para as crianças conectarem-se com a natureza.

O documento aponta ainda alguns desafios nas questões relacionadas à facilidade com que as pessoas podem acessar e utilizar os serviços ou espaços existentes nas áreas verdes considerando as necessidades de específicas das pessoas fazendo um apelo para que as autoridades municipais ajam em resposta a esses desafios. Em muitos casos, a acessibilidade permanece como um grande desafio: distância, barreiras físicas e a falta de conscientização de pessoas e de empresas e mesmo das prefeituras limitam a capacidade das crianças, especialmente nas comunidades de baixa renda, de desfrutarem desses ambientes saudáveis. Neste momento, a atuação municipal eficaz na eliminação dos problemas por meio da escuta às reivindicações das crianças, seus principais usuários, é crucial para a transformação do local num ambiente vibrante, cheio de vida.

Destaco aqui algumas recomendações que podem servir de inspiração aos senhores prefeitos das cidades brasileiras:

  • É imperativo que os municípios incorporem espaços vegetados em todos os projetos de desenvolvimento urbano, integrando áreas de lazer, praças e parques como componentes essenciais do planejamento urbano. A acessibilidade universal, obrigatória não apenas pelo atendimento das leis e regulamentações urbanas, mas também como respeito à dignidade do cidadão, devem ser promovidas por meio da redução das distâncias e implementação de trilhas e caminhos seguros, criando corredores verdes que conectam áreas urbanas, estabelecendo uma rede verde acessível a todas as crianças;
  • Prefeitos devem lembrar-se que, embora trabalhosos na execução, o envolvimento dos usuários locais é importantíssimo no sucesso da criação dos espaços verdes por meio da participação ativa da comunidade no planejamento e manutenção de espaços verdes pois fortalece o senso de pertencimento por meio de atividades como plantio de árvores e limpeza levando à garantia de sucesso na manutenção do local. Os usuários conhecem melhor do que qualquer burocrata e tecnólogo o que importa para a melhoria do local;
  • Oferecer incentivos fiscais a empresas que adotam práticas sustentáveis, como inclusão de áreas verdes em projetos, beneficia as crianças e contribui para a saúde geral da comunidade. A promoção de zonas livres de carros e de seus estacionamento em ruas melhora a segurança e cria ambientes propícios para atividades ao ar livre, especialmente essenciais para garantir espaços seguros para as brincadeiras das crianças.

Em síntese, o relatório destaca a ligação inseparável entre cidades sustentáveis e o bem-estar das crianças, sublinhando a importância do papel desempenhado pela ação municipal na criação de ambientes urbanos propícios à saúde e ao desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes. Assegurar acesso equitativo a espaços verdes em toda a extensão da cidade, abrangendo desde as áreas centrais até as periferias, é uma responsabilidade compartilhada entre poder público, cidadãos, associações e empresas. Ao incorporar a arborização e a vegetação urbana nas estratégias de planejamento, as cidades não apenas investem no presente, promovendo a saúde e a felicidade das crianças, mas também moldam um futuro sustentável para toda a cidade. 

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Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

Como seriam as cidades projetadas pelas crianças? Uma reflexão sobre mobilidade urbana e cidadania ativa

Transformação do espaço público através da visão única e criativa dos pequenos é o desafio proposto pelo Instituto Corrida Amiga, que reimagina o tecido urbano e traz a perspectiva infantil para o centro do debate

Transformação do espaço público através da visão única e criativa dos pequenos é o desafio proposto pelo Instituto Corrida Amiga, que reimagina o tecido urbano e traz a perspectiva infantil para o centro do debate

Por Helena Degreas para a Jovem Pan News
20/01/2024 08h00

Espanha e Portugal já realizam experiências com a participação de crianças em projetos urbanos

As crianças possuem uma maneira especial de enxergar o mundo. Suas mentes curiosas não são limitadas por convenções, permitindo-lhes sonhar com possibilidades ilimitadas O Instituto Corrida Amiga propõe uma abordagem inovadora ao pensar nas cidades a partir da mobilidade urbana ativa, buscando alterar a forma como nos movemos e transformar nossa relação com o ambiente urbano. O relatório “Diagnóstico: A Cidade sob o Olhar das Crianças A Partir da Mobilidade Urbana” teve o apoio do programa CAU Educa (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil) e destaca o papel crucial de crianças e jovens como agentes de transformação, visando um futuro melhor para toda a sociedade. Ao focar na mobilidade ativa, as atividades envolveram reflexões sobre o papel do espaço público na promoção da saúde e bem-estar

A caminhabilidade e o ciclismo não são apenas formas de se locomoção, mas meios para a construção de uma comunidade mais conectada e consciente, pois estimulam a interação com as pessoas e tudo o que está à sua volta. É uma resposta aos princípios adotados pelo urbanismo modernista, que, consolidados no século XX, promoveram, pelo zoneamento funcional, a segmentação de espaços urbanos para atender a diferentes necessidades, resultando na criação de áreas específicas destinados a públicos específicos. É como se os locais destinados às crianças fossem apenas os parques, cabendo aos idosos, por sua vez, os bancos de jardins existentes em praças. Cada um no seu lugar, como se a vida urbana pudesse ser dividida em atividades definidas por tecnocratas. Apesar de visar à eficiência no funcionamento das cidades, essa especialização colaborou com a segregação social e limitou a interação intergeracional, fragmentando a cidade em um conjunto de espaços distintos para funções específicas. Atrelado a estes princípios, o urbanismo motorizado destruiu a fluidez do andar, do caminhar, do flanar como prazer estético, sem pressa, priorizando a fluidez e eficácia do trânsito automotivo, e redefiniu os espaços dos caminhantes em calçadas e faixas de pedestres, entupindo a paisagem urbana com sinalizações voltadas à segurança viária.

Se as crianças fossem urbanistas, priorizariam espaços públicos como elementos essenciais, promovendo interação social. A segurança emocional seria prioritária, com espaços inclusivos e acessíveis. A ideia de acesso à cidade seria ampliada, eliminando barreiras econômicas no transporte público. Educação para mobilidade ativa seria parte do currículo, preparando gerações futuras para cidadania comprometida. A segurança seria prioridade, não apenas em termos de tráfego, mas também no sentido emocional. Espaços públicos seriam projetados para serem inclusivos, acolhendo a diversidade de todas as crianças. A acessibilidade seria a norma, garantindo que todos, independentemente de suas habilidades físicas, pudessem desfrutar plenamente de todos os locais que hoje estão ocupadas por carros. 

A ideia de acesso e direito à cidade, muitas vezes negligenciada, ganha destaque nessa visão alternativa. Se as crianças fossem as planejadoras, o acesso à cidade não seria restrito, mas ampliado. As crianças, ao serem envolvidas nesse processo de transformação, tornando-se agentes ativos em suas comunidades, aprendendo, desde cedo, sobre a importância da mobilidade consciente e como suas escolhas impactam não apenas a si mesmas, mas toda a cidade. A educação para a mobilidade ativa se torna parte integrante do currículo escolar, preparando as gerações futuras para serem cidadãos comprometidos e participativos.

A participação infantil seria uma prática real, por meio de conselhos e projetos participativos, influenciando políticas públicas. Oficinas e consultas seriam processos contínuos. A participação em projetos urbanos seria um direito, reconhecendo a experiência única das crianças. Experiências como esta já existem em outros países como Portugal e Espanha. Nesse contexto, iniciativas bastante relevantes e promissoras envolvendo a participação das crianças e adolescentes — e suas experiências e vivências na cidade — já são realidades. O diagnóstico apresentou o projeto “A Cidade das Crianças”, onde em Valongo, Portugal (2022), foi realizada uma sessão do “Conselho das Crianças”, na qual o poder público português incluiu, em seu planejamento urbano, a visão das crianças.

Outro exemplo citado foi a criação de “Conselhos Infantis” em Rosário, na Argentina, que tem por objetivo, levar melhorias urbanas locais a partir da sugestão de seus principais usuários: as crianças. A maneira como elas experimentam a cidade exerce uma influência significativa em sua infância. Repensar a mobilidade urbana com base na visão infantil é uma provocação à imaginação e uma chamada à ação. Um lugar projetado por crianças investe no futuro, construindo cidadãos comprometidos, saudáveis e plenamente engajados na vida urbana.

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Sustentabilidade, resiliência climática e inclusão social são alguns dos temas que ocuparão as manchetes dos principais meios de comunicação no ano recém-iniciado

Por Helena Degrea 06/01/2024 09h00 para a Jovem Pan News (texto original)

EDI SOUSA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO – 03/01/2024Pedestres enfrentam a primeira chuva de verão do ano de 2024, no fim de tarde desta quarta-feira (3), na região central de São Paulo

Planejadores urbanos e gestores públicos devem preparar cidades para enfrentar e mitigar impactos dos extremos climáticos

As discussões previstas na Agenda Urbana Internacional para o ano de 2024 (e que se estenderão para a próxima década) apontam para cinco temas que ocuparão as manchetes dos principais meios de comunicação e que visam o planejamento de cidades mais sustentáveis, inclusivas e resilientes. Espera-se de gestores e técnicos públicos: 

Sustentabilidade urbana

O crescimento inevitável das áreas urbanas destaca a imperatividade dos governos investirem no desenvolvimento de políticas públicas e estratégias com ações que visam causar o menor dano possível aos ecossistemas, recursos naturais, biodiversidade e à qualidade do ar, água e solo. Ao promover políticas e práticas ecoeficientes, governos estimulam ambientes urbanos ecologicamente equilibrados e saudáveis. Investir em energias renováveis, desenvolver sistemas de transporte público integrado com a inclusão dos modais ativos e adotar políticas de gestão inteligente de resíduos são algumas das medidas concretas nesse caminho. Essas iniciativas não apenas respondem ao desafio ambiental, mas também contribuem para o desenvolvimento sustentável das áreas urbanas, garantindo uma qualidade de vida mais elevada para seus habitantes.

Resiliência climática e adaptação

Com as preocupações crescentes em relação aos impactos causados pelas mudanças climáticas que recaem sobre a população, as cidades (seus planejadores urbanos e gestores públicos) devem se preparar para enfrentar e mitigar impactos adversos. Embora afetem todos os cidadãos, os impactos recaem, sobremaneira, sobre a população mais pobre que reside em áreas distantes dos centros e cuja infraestrutura é, comumente, precária. Adaptação dos sistemas de drenagem e gestão de águas pluviais, infraestrutura de abastecimento de água e saneamento, transporte público e mobilidade urbana, parques e áreas verdes urbanas, estruturas costeiras e portuárias, redes elétricas e de energia deverá sofrer adaptações para sua eficiência e eficácia para fortalecer a resiliência das cidades diante dos desafios climáticos emergentes, garantindo a segurança e qualidade de vida dos habitantes urbanos.

Inovação tecnológica e cidades inteligentes

Avanços tecnológicos oferecem a oportunidade única de transformar as cidades em ecossistemas inteligentes a partir da integração de tecnologias emergentes, como a Internet das Coisas (IoT) e inteligência artificial, otimizando serviços urbanos e melhorando a qualidade de vida dos cidadãos. Aplicações como gestão inteligente de tráfego e transporte, monitoramento ambiental, e planejamento urbano baseado em dados, considerando padrões climáticos futuros, são algumas das diversas possibilidades que melhoram a qualidade de vida. O uso inteligente de água com integração de sensores para monitoramento do consumo em tempo real, sistemas de irrigação adaptáveis às condições climáticas, gestão inteligente de resíduos por meio da implementação de sistemas de coleta de lixo que otimizam rotas com base na demanda, reduzem a emissão de poluentes. A mobilidade sustentável e sistemas de transporte, quando conectados e interativos, oferecem informações por meio de aplicativos e plataformas em tempo real sobre transporte público, permitindo aos cidadãos planejar rotas eficientes e reduzir a dependência de veículos individuais, contribuindo para a redução das emissões de carbono. Outo exemplo é a gestão eficiente de redes de energia com a implementação de redes elétricas inteligentes que ajustam automaticamente a distribuição de energia com base nas demandas sazonais e das condições climáticas locais. E, por fim, sensores urbanos para monitoramento ambiental para identificar padrões de poluição e alertar sobre eventos climáticos extremos.

Inclusão social e equidade

Diante das desigualdades sociais evidentes em muitas áreas urbanas, os próximos anos exigirão um esforço conjunto entre gestores e técnicos públicos dos três entes federativos, empresas e população para garantir o acesso universal à moradia, à infraestrutura urbana, equipamentos e serviços públicos e o fortalecimentos dos instrumentos adequados para a participação de grupos sociais diversos na tomada de decisões sobre a gestão das intervenções necessárias à realidade local. O urbanismo local, que afeta o cotidiano das pessoas, precisa se integrar ao planejamento urbano generalista, que muitas vezes ignora as necessidades cotidianas. Planos de bairro e planos de rua precisar ingressar na prática de gestão urbana municipal. 

Governança urbana participativa

A participação cidadã na tomada de decisões urbanas é crucial para assegurar representação diversificada e transparente. O desafio é fortalecer instituições governamentais urbanas para garantir governança eficaz, transparente e responsável. Estimular a participação cidadã, fortalecer instituições de controle social e garantir a transparência governamental são passos fundamentais nesse percurso por meio do desenvolvimento de plataformas online e aplicativos que permitem aos cidadãos relatar problemas ambientais em tempo real, como pontos de alagamento ou áreas com poluição do ar, por exemplo.

Complexos e interligados, os temas voltados ao cumprimento das metas presentes na Agenda 2030 refletem a busca por soluções que permitam que as cidades prosperem diante de desafios globais. Ao adotar estratégias ambientais, fomentar inclusão social e garantir transparência e participação cidadã na governança pública, as cidades fortalecem a resiliência e constroem comunidades sustentáveis. A busca pela sustentabilidade urbana não apenas promove eficiência e resiliência, mas também compromete-se a distribuir equitativamente os benefícios, trilhando o caminho de um futuro mais justo e sustentável para todas as pessoas.

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